ORELHA
O que vem a ser palindromia, esta palavra enigmática com sonoridade e grafismo poéticos? Para decifrá-la, é preciso recorrer a palíndromo, que, à letra, significa “aquilo que corre em sentido inverso”, a partir de seus elementos de composição do grego: pálin, “inversamente”; e drómos, “ação de correr”. Poeticamente, pode-se enxergar nessa corrida inversa um retorno pelos passos de ida. A palindromia, então, seria isso, essa ida e esse retorno, algo como caminhar na areia e depois voltar sobre as próprias pegadas.
O famoso quadrado mágico composto por cinco palavras latinas de cinco letras encontrado em vários pontos da Europa forma o palíndromo SATOR AREPO TENET OPERA ROTAS, que carrega certo mistério até hoje em razão de a palavra arepo não ter registro em latim. Osman Lins parte dessa frase, interligando uma espiral e um quadrado, para construir sua obra-prima, o romance Avalovara (1973), no qual o narrador expõe dois significados: “O lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos” e “O lavrador sustém cuidadosamente o mundo em suas órbitas”. E diz: “Sobre um campo instável, o mundo, reina uma vontade imutável”.
E os 25 ensaios de Palindromia — um para cada letra do palíndromo, com seus títulos simbólicos que dialogam com a tessitura osmaniana — constituem uma corrente imutável, palindrômica, tendo em vista que o fim de cada um coincide com o início do seguinte, e o do último com o do primeiro. É aquilo que Avalovara faz conhecer, na analogia do palíndromo com a anfisbena, serpente mitológica de duas cabeças, uma em cada extremidade: “concepções da inquietude humana, sem princípio e sem fim, ou cujo fim, se existe, coincide com seu próprio início”. Além disso, Palindromia se destaca por seus autores, revelando no mesmo nível a diversidade de pensamento e experiência de graduandos, mestrandos, mestres, doutorandos e doutores — alunos e professores — de 10 universidades do país.
Aqui está Palindromia, livro importante para a fortuna crítica de Osman Lins, autor de 21 livros e de trânsito fluido pelo romance, conto, narrativa de viagem, dramaturgia, novela, ensaio e ainda literatura e teatro infantis. E, como dizem as organizadoras na apresentação, é possível afirmar que Palindromia se encaixa na modalidade do elucidário, pois traz elementos que podem ser tidos como conceitos-chave para a valoração da obra do escritor. É isso, Palindromia é um elucidário; elucidário que, de mãos dadas com o lúdico e o teórico, passeia pela significativa escrita tramada de Osman Lins.
Renato Cunha
editor