ORELHA
Morcego é um professor que sonha em se tornar dramaturgo e encenar sua primeira peça, A história da Rainha Irene, baseada na vida da famosa imperatriz bizantina. Durante o período da Quaresma, ele frequenta com um amigo, um caixeiro-viajante, o narrador desta trama, um castelo que é habitado por personagens diabolicamente arquitetados: Lúcio, Irene, Pedro Quince e Maurício.
Será Uma comédia vil uma espécie de Fausto? Apresentando um realismo irreal, no qual esse castelo, que de fato existiu, se mostra ser também um importante personagem, este livro, assim como a vida faz constantemente, nos alerta que não somos senhores de nossa própria verdade. Talvez seja ele um Fausto moderno, cujo cenário é o Ceará, mais especificamente a Fortaleza dos anos 1960, apesar de T. M. Castro, ou melhor, o caixeiro-viajante jamais mencionar diretamente o nome do lugar ou a data em que o enredo se dá.
Você está diante de uma notável narrativa da literatura brasileira, que vai dos tempos profanos à Quaresma, e da Quaresma novamente a esses tempos, que parecem ser os únicos que têm regido a trajetória humana, biblicamente desviada do Paraíso. Observe-se que, no étimo, “profano” significa o que está em frente ao templo e que nele não entra. E “templo” nada mais é do que aquilo que está reservado à divindade, e não a nós, simples mortais adoradores.
Uma comédia vil traz homens comuns que se satisfazem com as doses diárias de embriaguez de seus universos particulares. Um caixeiro-viajante, um professor, um violoneiro, um cerqueiro, um despachante se encontram quase que diariamente no singular bar Belas-Artes para esquecer suas vidas e nos fazer atinar que, neste mundo, Deus e o Diabo, o bem e o mal, não são mera contraposição, e sim aquilo que está na essência de todos, claro que em níveis distintos.
A Sigla Viva tem, assim, a honra de editar um dos escritores mais surpreendentes da literatura brasileira contemporânea. Senhoras e senhores, com vocês, T. M. Castro.