ORELHA
A Siglaviva apresenta o quarto volume da Coleção Osman Lins, Descortinando o teatro de Osman Lins, que traz catorze ensaios sobre a dramaturgia do autor, dois para cada peça analisada: Lisbela e o prisioneiro (1960), A idade dos homens (1963), Guerra do “Cansa-Cavalo” (1965), a infantil Capa-Verde e o Natal (1965) e as da trilogia reunida em Santa, automóvel e soldado (1969-70), com Mistério das figuras de barro, Auto do salão do automóvel e Romance dos dois soldados de Herodes.
Deve-se ressaltar ainda que, em relação ao teatro completo de Osman Lins — que cursou dramaturgia na Escola de Belas-Artes do Recife, entre 1958 e 60, sendo aluno de Ariano Suassuna —, há três peças que não compõem este estudo: O vale sem sol (1958), que recebeu menção honrosa no 1º Concurso Nacional de Peças Brasileiras, promovido pela Companhia Tônia-Celi-Autran (CTCA), e cujo datiloscrito aparece catalogado no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), mas que não foi localizado pelo grupo de pesquisa Estudos Osmanianos; e as duas subsequentes, O cão do segundo livro (1958) e Os animais enjaulados (1959), sem indício de originais sobreviventes ao tempo ou à vontade do autor.
Vê-se aí, portanto, em adição ao incontestável expoente romanesco, um relevante corpus dramatúrgico que se insere no conjunto da obra literária de Osman Lins, a qual transita também pela novela, pelo conto, pela narrativa de viagem, pela literatura infantil e pelo ensaio. Aliás, fundamental para se pensar sua dramaturgia é seu ensaio “O escritor e o teatro”, o sexto capítulo do livro Guerra sem testemunhas, com primeira edição em 1969 e com o elucidativo subtítulo “o escritor, sua condição e a realidade social”. Para desenvolver esse livro, Osman cria dois personagens ficcionais, ou uma espécie de alter ego diviso, como reflexo e sombra: o escritor Willy Mompou (WM) e o parceiro nominado por dois triângulos opostos (∆∇), assim como “W” e “M”, além de conterem em suas formas os triângulos, são graficamente opostos; triângulos esses que, por coincidência ou não, aludem ao símbolo do teatro, isto é, às máscaras trágica e cômica. E, precisamente no referido capítulo, estabelece um diálogo filosófico, histórico e político entre os dois personagens, como na questão do romance e os limites do teatro, quando a contestação de WM sobre a expressividade do texto dramático fará com que ∆∇ ilustre a expressividade do espetáculo teatral: “Tudo sucede no palco. Aí morrem os heróis, abrem-se as portas, os dias amanhecem, estalam tempestades e decidem-se as guerras”.
Mas como se posicionariam, de fato, WM e ∆∇? Regina Igel, biógrafa literária de Osman, diz que eles “não são antagônicos”, que “são, antes, complementos de um todo que é o próprio ensaísta” e que “a dialética entre eles se aguça na combatividade do espírito de Osman Lins”. Percebe-se que tal guerra, então, trata-se de uma guerra íntima, marcada pelo ato solitário de escrever — daí o não testemunho — e a qual a Coleção Osman Lins, pelo seu aprofundamento na obra do autor, tem nos feito criticamente testemunhar; coisa que agora Descortinando o teatro de Osman Lins faz, como num alceamento de cortinas, para colocar em cena a força de um teatro inquieto e lúcido.
Renato Cunha
editor