O AUTOR
Marçal Barreto nasceu em Salvador, em 1958. Começou a escrever poesia aos onze anos e com dezoito decidiu que levaria esse “ofício” a sério, mas não mostrava os poemas para ninguém, não conseguia, achava que isso beirava o ridículo. Embora a poesia seja a atividade nuclear em sua sintaxe existencial, deixar que ela o definisse socialmente se tornou um imbróglio gigantesco. E assim, só agora, aos sessenta anos, Entrevias nasce como seu livro de estreia, como sua atual definição.
ORELHA
A poesia de Marçal Barreto por vezes desconcerta, ao mesmo tempo que ilumina seus objetos.
Veja, por exemplo, o poema “Na esfera do devir”, pertencente à primeira das cinco seções do livro. O texto parafraseia os modos de composição do cineasta Glauber Rocha, a quem o poema é dedicado. Traz imagens que sugerem o tumulto no ambiente brasileiro e flagra o impasse — ou consórcio — entre fantasia e crime, carnaval e corpos sacrificados, como em “fuzis & tamborins”. A imagem destacada é pequena fração do poema, mas sublinha o país paradoxal que somos.
O livro exibe textos de estilo e técnica muito diversos, o que o torna uma espécie de súmula, criadora e singular, das bossas utilizadas pelos poetas para chegarem ao leitor. Marçal a elas acrescenta as suas digitais. Versos metrificados e rimados comparecem ao volume, a exemplo destes dodecassílabos: “De vez em quando fecho os olhos pra rever / — punhal de laser alumiando a sala escura — / os olhos dela zagaiando na tv: / pele de luz, lume de letra, iluminura”.
Há poemas visuais, que exploram os ângulos da página, e textos muito breves, que se valem da condensação para produzir alumbramento, à maneira de haicais. Um dos que nos falam especialmente chama-se “Cosmogonia”. Não é possível reproduzi-lo graficamente aqui, mas cito “a 1ª canção de Caymmi”, que genesíaca “soou quando o mundo começou”.
Do esotérico ao obsceno (curta as bem-humoradas “Rimas para Dona Violeta”), do discursivo ao epigramático, do político ao transcendente, essas entrevias nos surpreendem com grata frequência. Convido o leitor a percorrê-las.
Fernando Marques