PREFÁCIO
A representação do nu feminino está entre as mais cultuadas criações da arte. Subjetivamente o artista contempla, interpreta e exercita o ideal, o belo artístico. Todos eles, dos diletantes aos mestres universais, têm algo a nos dizer com esse lavor incomparável, de cuja apreciação surgem prazeres que transcendem os desejos da carne, que sublimam a aparição das formas da mulher.
Nas pinturas de Otoniel, vemos brasileiras num paraíso iluminado e colorido, nítido e onírico. O artista não recorreu a paisagens extraordinárias, adereços exóticos, fundos artificiais. Coloriu dramaticamente os primeiros planos, como a tez, a grama, a água, a areia, a parede etc. Nesses espaços, as cores disputam entre si. Às vezes confundem e provocam nossas retinas, em sensações luminosas. Deu o mesmo tratamento às sombras, com meios-tons, próximos aos negros violáceos, azuis cobaltos e carmins. Numa sutileza calculada, trabalhou com amenidade os segundos planos. E, em alguns terceiros planos, onde há marinhas, céus, nuvens e outras paisagens como cenário, apresentou a atmosfera com aquela perspectiva baça. Esse acabamento formal de todos os espaços das telas, em conjunto com a representação pura da beleza da mulher, arremata o prazer estético que sentimos durante a contemplação de cada uma dessas suas pinturas.
Olhando os pormenores das telas que este livro traz, desvendamos alguns segredos do pintor: muitas pinceladas grossas e rudes, outras suaves; e ainda o uso de velaturas. A superposição exaustiva, a aplicação repetida das camadas de tintas puras, limpíssimas, parece coagular a luz, que esplende da pele, dos cabelos, da vegetação, do mar, dos interiores e das demais paisagens. Nessa interpretação da luz, Otoniel reafirma a força de sua pintura, com uma plástica extremamente apurada, numa primazia dos claros sobre os escuros. Serão essas imagens femininas mero pretexto para esse artista exercitar com elegância sua obstinação em representar a luz? Luz que ele vem perseguindo há décadas nos sertões brasileiros, quando adentra, como um bandeirante, locais remotos para a instalação de seus ateliês, para as pinturas en plein air, de peito aberto e olhos atentos, buscando as paisagens mais expostas ao sol e, até mesmo, à lua.
Amante das artes, com uma queda especial pela literatura, Otoniel me revelou que muitas dessas pinturas foram inspiradas por sonetos de grandes poetas da língua portuguesa. Depois, ampliou sua pesquisa para compor este livro, nos brindando com uma antologia clássica que canta a mulher com fascinação. Além disso, Tua imagem, teu soneto traz ainda um belo ensaio de Renato Cunha sobre o nu feminino na arte, intitulado “A dádiva do nu”, o qual filosoficamente conclui, em paráfrase a Heródoto, que sem a nudez, ou melhor, sem a delicadeza da nudez poética, a exaltação à mulher se tornaria árida. Tenho assim a honra e o prazer de apresentar esta obra dedicando também a elas meu poema “A mulher dos meus sonhos”:
Ela tem a silhueta de uma palmeira
que fica em frente à janela
do Acalanto
Seus olhos são sagazes
como pequenos peixes
no aquário
Ela se veste
com a elegância
do vento sobre a relva
A mulher dos meus sonhos
sorri com a alegria
dos córregos sobre a terra
Ela tem a doçura
do néctar
entre as flores
Eu sou incapaz de dizer
como realmente ela é:
sinto a mulher dos meus sonhos
como a luz no horizonte
como as estrelas no céu
como o orvalho da manhã.
Heitor Humberto de Andrade
novembro de 2013